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segunda-feira, 26 de abril de 2010

CÁLICE, CAVALO, FOGO E MENINO

            "Fui convidado para conversar com vocês sobre o ator, sei que muitos aqui jamais representaram, e outros deram apenas os primeiros passos neste caminho labiríntico que é o mundo da interpretação. É uma tarefa que exige de mim, sensibilidade e coragem; acho uma grande responsabiliade falar aos jovens, e é com muita emoção e prazer que passo as humildes sementes de meu trabalho artístico, com a esperança de que alguma utilidade possa ser encontrada nelas e que de alguma maneira elas possam lhes tornar a caminhada menos solitaria e mais solidária, na medida em que esta receita muito pessoal provoque duvidas e reconsiderações, ou toque o sagrado dentro de cada um de voes, ou racenda aquela esperança cega que Prometeu garantiu ser a conquista mais utgente para a sobrevivencia do homem neste planeta. O grande poeta e dramaturgo a lemao Büchner escreveu numa cena de sua peça Woyzeck: “Cada ser humano é um abismo e agente tem vertigens quando se debruça sobreum deles.”
            Acho que nós atores somos duplamente esse abismo-espelho: como seres humanos e como artistas. Nossa missão é provocar a vertigem e o revisonamento do abismo dentro de cada espectador, para que depois de cada mergulho em nossos personagens propostas, essas pessoas pensem, se emocionem, compreendam, e amem com nova e maior intensidade. Eu, Rubens Corrêa, ator e artista de teatro, vinte e oito anos de profissão e séculos e mais séculos de um longo periodo não sei onde, ofereço a vocês com apaixonada humildade o meu aprendizado nesta caminhada em cima das brasas sem se queimar, que é a condição necessária para poder representar e viver com algum significado neste nosso bizarro país sul americano. A primeira revelação que tive do ato de representar foi durante a minha infância na minha cidadezinha mato-grossense: levaram-me ao circo numa certa noite – um dos poucos circos que se atreviam a ir tão longe em suas excursões pelo Brasil da década de trinta. Lembro-me até do nome: Circo Teatro Zoológico. Ao final da primeira parte, depois dos trapezistas, palhaços e animais – pediram que colocássemos nossas cadeirinhas na arena central frente a uma cortina fechada por onde entravam os artistas para fazerem os seus números. Muitas marteladas, ruidos e depois o silêncio, e as clássicas quatorze batidas de Molière anunciando o início do espetáculo. Aquela cortininha se abriu e nos foi contada uma história. Aquilo me pareceu uma brincadeira excelente, e no dia seguinte comandei a feitura de um circo no quintal da minha casa, ajudado pelos amigos, os lençois da minha mãe e alguns bichos domésticos convidados para abrilhantar a apresentação. Mas faltava algo: lembrei-me então daqueles rostos magros pintados de dourado e de suor, de um certo hálito de cachaça que se notava quando eles se chegavam a nós para vender retratos nos intervalos, e um não sei quê de mágoa e agressividade nas fisionomias.
            Não dispunhamos daquela energia, daquela sedução, nem daquela maldição, e o nosso circo malogrou. Mas eu, a partir daí, passei a brincar de fazer figuras, caretas, vultos, máscaras e tipos – em frente ao grande espelho do guarda-roupa de minha mãe. Esse foi o meu primeiro palco. Mas ficou-me para sempre a nostalgia da beleza daqueles meus irmãos desconhecidos, maltratados e fascinates que marcaram para sempre com ferro em brasa a palavra TEATRO no meu coração.
            Anos mais tarde, já no início da década de quarenta, me mandaram para um Internato Marista no Rio de Janeiro. Fora das disciplinas normais que me entediavam mortalmente, estudei piano, aprendi cantochão, li Shakespeare, Calderón de La Barca, Gil Vicente, descobri a música erudita e fui coroinha, que era como chamavam os alunos que “ajudavam” a missa. O prêmio era sempre um pouco de vinho e hóstias não consagradas, mas uma saída extra por mês. Mas o que me interessava era o ritual tetaralizado da missa: o texto decorado em latim, as batinas especiais, a música de órgão e os cantos que acompanhavam a cerimônia, mais as campainhas, o cálice, as flores, o incenso e as velas. Ajudar a missa para mim era representar. Aos poucos, porém fui descobrindo uma espécie de logro naquelas cerimônias; o desinteresse e a mecânicidade dos padres que celebravam o ofício, e toda uma sensação repressiva que o catolicismo passou a exercer sobre mim, desmancahandram a magia deste meu seundo palco.
            Sai do colégio com a idéia de ser pianista. Assistia aos espetáculos teatrais da época feitos em cima de grandes vedestes, mas a ausência de poesia naqueles espetáculos acabou neutralizando dentro de mim aquela paixão instintiva pelo palco.
            Até que um dia assisti ao Hamlet feito pelo Teatro dos Doze, com Sérgio Cardoso como protagonista, e esse espetáculo mais a inesquecível e apaixonate interpretação de Sérgio me revolveu as entranahas e criou dentro de mim a necessidade de uma opção: teatro ou música? Fui obrigado a servir o Exército e aproveitei esta calamidade para me permitir um tempo de espera antes da resolução.
            Porque havia um problema terrível: onde começar, como estudar e praticar? É o problema de cada nova geração e naquela época as poucas escolas não me satisfaziam, e os grupos profissionais estavam por demais mergulhados no comercialismo.
            Ai apareceu o Tablado. Assim que terminei o exército, ganhei uma vez por acaso, um convite para a estréia do grupo. Era tudo o que eu precisava. O espetáculo tinha conjunto, equilibrio, acabamento, simplicidade e poesia. No dia seuinte saí à procura de um professor de voz e durante dois anos me preparei ppara entrar para o Tablado. Estudei voz e interpretação com Martinho Severo, e depois fiz o curso de Direção da Fundação Brasileira de Teatro, orientado por Adolfo Celi, Ziembinsky e Gianni Ratto. No Tablado inicialmente fiz algumas comparsarias, coro e pequenos papéis, mas minha estréia mesmo aconteceu em dezembro de 1995 com a peça de Anton Tchekov “Tio Vânia” onde eu fazia o papel de Ilia Hitch Teléguine, com direção de Geraldo Queiroz.
            Permaneci no Tablado durante quatro anos onde aprendi o amor e o cuidado no exercício de minha profissão e onde dei os meus primeiros passos como ator e homem de teatro.
            Saí do Tablado em fins de 1958 para fundar com Ivan de Albuquerque um grupo que iniciamente chamou-se Teatro do Rio, localizado no Teatro do mesmo nome na Rua do Catete, hoje Teatro Cacilda Becker, e que depois com nossa mudança para o Teatro Ipanema, passou-se a chamar Teatro Ipanema. Este ano estamos completando 25 anos de atividades teatrais e estamos em cartaz com a peça de Fauzi Arap “Quase 84”.

O CÁLICE
            Representar para mim é a possibilidade que me foi dada de me comunicar com o meu semelhante através de uma troca de idéias, imagens, palavras, gestos e emoções. Um divertido, fascinante e muitas vezes cruel jogo que mistura ficção e realidade consciente e inconsciente, sagrado e profano, amor e ódio, vida e morte. Uma paixão.
            Através dos anos venho elaborando em cima das minhas tábuas o meu trabalho, tentando sempre o difícil equilíbrio entre as conquistas técnicas e a simplicidade da execução. Aqueles instantes, todas as noites, em que represento um papel, são sempre os melhores momentos do meu dia. Isso quer dizer que levo para o palco meus sentimentos, minhas idéias, minhas alegrias, meus abismos, meu horror e minha luz. Diariamente filtro essas emoções através das necessidades de cada personagem e recebo de volta para mim mesmo uma nova compreensão de meus problemas – e acrescento ao personagem um novo enriquecimento conseguido “a quente”, quer dizer, arrancado de dentro de mim mesmo.
            Com o correr dos anos fui aprendendo a me observar como artista e ser humano, e fui tentando aproveitar em meus desenhos interpretativos a linguagem interior de minha vivência pessoal, para conseguir assim essa difícil união ente arte e vida, que foi sempre a minha grande aspiração.
            É um cálice de cristal interior, que dever ser preservado e defendido através de muitos terremotos, muita contrariedade, muita decepção e sensação de abandono, mas com momentos também de enorme luminosidade que quando acontecem recompensam o artista e engrandecem o ser humano.
            Cada ator é único e inimitável se ele mergulha com honestidade em si mesmo e retrata o seu semelhante com generosisadade, verdade e paixão. “Somos feitos da essência com que os sonhos são feitos”, escreveu Shakespeare, e essa é a melhor definição que conheço sobre o mistério da representação.

O CAVALO
            Cada ator tem a obrigação de zelar por e sedesenvolver o seu instrumental – sua voz, seu corpo, seu cavalo. Devemos transformar nosso corpo num grande arquivo de imagens com possibilidades de serem utilizadas em nossos futuros personagens; nossa voz  deve poder miar rugir, gemer, uivar – nossas mãos podem ser galhos de àrvores, garras de feras, folhas secas ao vento – nossos pés colunas de um templo, patas de animais. Nossos olhos devem poder reproduzir o enigma do olhar da esfinge, ea a clareza cristalina de um poema de Brescht.
            E mais devemos nos preparar para receber com artistica mediunidade a alma do mundo, as grandes interrogações do nosso tempo, a voracidade deste universo em constante transformação.
            Devemos ser suficientemente fortes para poder reproduzir simultaneamente as maravilhas e o horror do ser humano, a criatividade e a autodestrutividade de nós todos, homens, através dessa difícil caminhada da vida.
            O nosso cavalo é também o estimulador de nossa energia, o conservador de nosso entusiasmo e de nossa fé; quando as crises vierem (e não tenham dúvida de que elas virão), nada melhor do que trabalhar na fortificação do cavalo, porque no minimo – estaremos crescendo durante a crise, estaremos trabalhando e temperando novas energias, adquirindo novas técnicas,  novos conhecimentos. Podem ter certeza de que um bom cavalo torna o ator indestrutível.

O FOGO
            O fogo através do tempo sempre foi símbolo vivo da fé, do entusiasmo e da rebeldia; mantê-lo aceso dentro de nós é também um trabalho para a vida inteira. O fogo nasce de um estado de curiosidade natural e isntintivo e pode ser desenvolvido através da conquista progressiva de uma cultura geral, de uma observação apaixonada da história do homem, da história de todas as artes, da emocionante história do teatro – e um profundo sentimento de observação do ser humano – aqueles para quem realizaremos nossas mágicas, o nosso público. Esse fogo interno, uma éspecie de grande rol central de energia e fé, é uma grande mola propulsora da criatividade; devemos estar sempre atentos aos seus chamados, e é preciso não deixar nunca, custe o que custar, esse fogo esmorecer, porque, caso isso aconteça, seremos os artífices de uma arte morta, sonâmbula, inútil, feia e resignada.

O MENINO
            A recuperação da infância através da vida adulta foi sempre uma das minhas metas, a criança é uma fonte incrível de informação artística, e a criança que nós fomos, recuperada através do nosso lado lúdico tão atrofiado pelo correr dos anos – pode nos servir de guia, mas um guia muito mais especial – que caminha alegre e despreocupado, que sabe descobrir o mágico dentro do cotidiano, intuitivamente.
            Um grande exemplo do menino dentro do artista está na obra de Pablo Picasso: “Eu não procuro, eu acho”, afirmava o grande pintor. E essa fala denuncia o menino que Picasso levava dentro de si, que pintava cerâmica usando como base para o desenho a espinha do peixe que tinha comido no almoço, ou fazia fantástica escultura aproveitando uma roda velha e quebrada de uma bicicleta quebrada na estrada durante seu passeio matinal.
            O menino traz alegria e descompromisso racional para o trabalho artístico.  No Passeio Público no Rio de Janeiro, tem um menino anjo esculpido num bebedouro (se não me engano de Mestre Valentim), com a seguinte legenda: “Sou útil, inda brincando”. Essa é a lei e a sabedoria dos meninos.
            Acho que preservando o cálice, domando o cavalo, estimulando o fogo e soltando o menino, o artista está preparado para viver e criar uma vida bela e uma obra útil para a coletividade."

Rubens Corrêa
*esse texto foi retirado de uma palestra.


sexta-feira, 23 de abril de 2010

PARA O CORPO SONORO QUE EXISTE E QUER EXISTIR - BOAS VINDAS


     No primeiro encontro, em roda na sala de ensaio branca no Centro Cultural Diadema, olhei para quase trinta aprendizes de teatro, que ali se encontravam por uma curiosidade, dessas de criança, de descobrir o fazer teatral e coletivamente desde o dia 11 de Março de 2010 estamos nos propondo a fazer e pensar teatro. O teatro em nossas veias, em nosso sangue corrente, na cultura brasileira e no nosso meio social. É de onde tiramos matéria para discussões que não se cessariam ainda que tivessemos horas e horas de debates. Mas principalmente buscamos o teatro em sua essência, consciência, transe e ação.
     O núcleo é um estudo prático de pesquisa corporal, vocal e sonora que parte das técnicas de preparação do ator desenvolvidas pelo ator-diretor russo Michael Chekhov.
O corpo além de expressar-se fisicamente, fala ao vocalizar e emitir sons e se comunica sonoramente. Se mover desafiando a possibilidade vocal e corporal cotidiana é o que nos propomos desde então às noites das quintas. Alçando o artista-aprendiz à descoberta de percepções corporais e vocais autênticas. Buscando um corpo sonoro ativo e consciente para o uso na arte e na vida.
     O objetivo desta oficina é investigar, ampliar e desenvolver o corpo do ator, mímico e/ou bailarino para a criação a partir da percepção sonora e corporal.
     É um convite a fazer teatro de forma singela e verdadeira. E é nesse blog que encontramos agora, depois de 7 encontros mais uma forma de existir e nos registrar, ainda que sonoros pelas teclas do teclado, no conforto de casa e no clique da coluna quando levantar da cadeira, portanto alongue-se antes de postar, é aqui onde estaremos juntos em mais um espaço para construirmos nossa história .

Evoé!
Uanderson Melo